Por que o futebol bem jogado incomoda?

Douglas Dayube
5 min readMar 16, 2019

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O início de temporada no futebol brasileiro está sendo marcado pelas discussões em torno da contratação de Jorge Sampaoli para ser técnico do Santos e o rápido sucesso que o argentino conseguiu atingir na equipe da Baixada Santista ao fazer um time mediano jogar um futebol bem jogado, com equilíbrio entre defesa e ataque e com muita gana pela vitória.

Sampaoli: um chute na mediocridade e esperança na renovação

Passadas todas as polêmicas criadas por uma parcela da própria imprensa em torno da chegada do argentino, hoje os programas esportivos conseguem reconhecer o belo trabalho que Sampaoli vem fazendo até aqui com um elenco carente comparado aos seus rivais e a outros times do país.

O bom trabalho de Sampaoli fica ainda mais em evidência quando se olha para os times mais ricos do país, Palmeiras e Flamengo, e lá se encontra um futebol reativo, com pouca criatividade e que não causa empolgação nem nos próprios torcedores de ambas as equipes.

E é nesse ponto que eu quero chegar: o incômodo que muitos sentem ao ver um técnico fazendo tremendo sucesso em tão pouco tempo com peças relativamente inferiores.

Um olhar mais atento nas redes sociais, podemos ver diversos comentários criticando Sampaoli e Santos, tirando sarro, sobretudo, quando vem alguma derrota como a goleada por 5 a 1 para o Ituano ou a eliminação do Santos na Copa Sul-americana pelo River Plate do Uruguai em casa. Todos tiram sarro e o discurso é bastante parecido: Joga tão bonito, mas na hora de vencer, não vence.

Guardiola, o melhor técnico do mundo, em um dos seus retumbantes fracassos.

Esquecem de levar em consideração o processo de formação de uma equipe, a evolução de jogadores, que eram considerados medíocres até a temporada passada, nas mãos de Sampaoli. Se perguntarmos para os torcedores do Santos o quê eles achavam de nomes como Jean Mota e Alisson (os que mais evoluíram com Sampaoli na minha opinião), pode ter certeza que as respostas não vão ser das melhores.

Quando Sampaoli pediu um goleiro que jogava com os pés mais um estardalhaço pra cima do técnico, como se em algum momento ele tivesse questionado a qualidade do ótimo e ídolo da torcida Vanderlei. Hoje, Éverson, o goleiro contratado, já é pedido pra entrar como titular por parte dos torcedores santistas.

No começo, lá em janeiro, quando anunciaram a contratação do argentino, parte da própria imprensa brasileira, em uma atitude por vezes xenófoba, trazia polêmica em cima de polêmica pras mesas de debate quando o assunto era Santos Futebol Clube. Hoje, com o bom futebol praticado, a pressão foi pra cima dos outros técnicos e Sampaoli é colocado como exemplo de jogo a ser jogado nos elencos mais caros do país.

O corporativismo brasileiro

Entretanto não é só os torcedores rivais, do próprio Santos e parte da mídia que rejeitou ou ainda rejeita o treinador campeão da Copa América com o Chile em 2015. Desde que ele chegou ao país, diversos técnicos brasileiros já fizeram discurso contra o técnico de Messi na Copa do Mundo de 18. Fábio Carrile, treinador do Corinthians, e, pra mim, um dos poucos treinadores promissores no cenário nacional respondeu que Sampaoli não trazia nada de novo para o futebol brasileiro.

Jair Ventura fracassou em um Santos de destaques como Gabigol e Bruno Henrique

Em 2017, quando o Flamengo anunciou o colombiano Reinaldo Rueda como novo técnico do time da Gávea, uma declaração do então técnico do Botafogo, Jair Ventura, também chamou atenção:

“Não que eu seja contra os estrangeiros trabalharem aqui, mas estamos perdendo mercado lá fora. Daqui a pouco perdemos o interno. Então do que adianta se preparar, estudar? Venho fazendo cursos sempre, me preparando. As pessoas tem que primeiro olhar para cá, para depois olhar para fora. Isso (chegada de técnicos estrangeiros) eu não vejo de uma maneira legal. Respeito a decisão, ele é um grande treinador, acho que pode dar certo. Mas estou falando em nome dos treinadores, como jovem e brasileiro. Isso é muito ruim”.

Na época em que foi contratado pelo Flamengo, Rueda havia acabado de sair do Atlético Nacional de Medelín, time campeão da Libertadores de 2016 e finalista da Copa Sul-Americana do mesmo ano.

O time era tão bom que só não repetiu o feito do Barcelona de 2014/15 de conquistar todos os títulos que disputou, pois abriu mão do título da Sul-Americana para o Chapecoense devido ao desastre da Lamia que matou quase todo time da equipe de Chapecó. Os colombianos tinham um time muito superior ao brasileiro e provavelmente venceriam o confronto contra os catarinenses.

Agora, fica a pergunta, por que no país que foi eliminado por europeus, tomando um banho de bola da França, da Holanda, da Alemanha e da Bélgica nas últimas quatro Copas do Mundo, sendo que uma delas disputou em casa, se incomoda tanto quando alguém aparece e resolve fazer diferente num futebol tão ultrapassado quanto o nosso? Por que Rueda e Osório incomodaram e, agora, Sampaoli incomoda tanto?

O treinador acusado por Jair de roubar empregos de técnicos brasileiros

Ao olharmos pro cenário europeu, nos grandes clubes e nas grandes ligas, não vemos treinadores brasileiros sendo cogitados por lá. Enquanto os nossos vizinhos argentinos vão pra Europa e fazem sucesso lá. Em dois clubes particularmente, técnicos argentinos são tratados como Deus. Diego Simeone revolucionou o Atlético de Madri, colocou os colchoneros em lugar de destaque na Liga dos Campeões (chegou à final duas vezes), faturou duas vezes a Liga Europa e barrou Barcelona e Real Madrid uma vez na Liga Espanhola.

Simeone papa títulos na Europa

Na Inglaterra, mais precisamente no Norte de Londres, um outro argentino é considerado um mágico pela sua torcida. Mauricio Pochettino transformou o jeito do Tottenham de jogar, fez os Spurs sonharem em conquistar o título inglês e agora se encaminha para as quartas de final da Liga dos Campeões da Europa.

Torcida do Tottenham canta: “Ele é mágico. Vocês sabem. Mauricio Pochettino”

Será que os treinadores brasileiros não têm mesmo nada a aprender, será que o nosso futebol tem mesmo que continuar sendo reativo, com inúmeros laterais sendo batidos na área quando homens como Abel Braga, Mano Menezes e Luiz Felipe Scolari ganham quase um milhão de reais pra treinar as suas equipes?

O futebol bem jogado não deveria incomodar no país que produziu gênios como Pelé, Garrincha, Zico, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Falcão.

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